CULPADO OU INOCENTE?

Em agosto de 1996, um crime chocou a sociedade não só de São Paulo, mas, de todo Brasil. Cinco homens entram no Bar Bodega, em Moema, São Paulo e assassinam duas pessoas, a estudante de odontologia, Adriana Ciola e o dentista José Renato Tahan.
O caso Bar Bodega foi assunto de diversas capas de jornais e programas de televisão, desde o princípio.
Uma das principais emissoras da TV, a Rede Globo, no programa Jornal Nacional, mistura o episódio com diversos acontecimentos violentos. Além disso, apresenta a cidade de São Paulo como uma das mais violentas do país.
A crônica a seguir é em relato a um dos supostos acusados do caso, Cleverson, que na época era menor de idade.

"Acordou pela manhã, escovou os dentes, tomou café, vestiu uma roupa e foi trabalhar. Viu a mãe sendo assassinada e não pôde fazer nada, absolutamente nada. Pegou raiva de sua covardia, pegou raiva do mundo.
Sua única saída era entrar para o mundo do crime. Entrou. Não deixou que chegasse a sua casa a notícia que ninguém queria ouvir. Não chegou de imediato. Custou a chegar.
Roubos e furtos eram seus esportes preferidos. Parou de estudar ainda no primário, logo após o fato que acontecera com a mãe. Virou o sinônimo do medo na rua a qual morava. Vizinhos? Nenhum. Amigos? Impossível, a não ser os que faziam assaltos com ele.
Chegou esse menino, aos 16 anos de idade. Futuro? Nenhum. A irmã, a única pessoa em que confiava, já havia desistido de tentar colocar um pouco de juízo na cabeça dele, porém, tinha medo que algo de ruim acontecesse a ele.
Aquela noite seria diferente de todas às outras. Algo dizia a ele para não sair, no entanto, os parceiros de crime fizeram com que mudasse de opinião. Foram a mais uma de suas atividades prediletas. Percebeu que algo estava errado.
As estrelas brilhavam no céu, as pessoas caminhavam calmamente pelas ruas próximas ao bar. Mas não era um bar qualquer, mas um bar que somente a elite paulistana poderia frequentar.
Sentia uma preocupação estranha que nunca havia sentido antes. Olhava o movimento e não conseguia ouvir direito as vozes das pessoas e nem o som da rua
De repente, pá, pá. Ouvem-se dois tiros. Todos apavorados saíram correndo, inclusive ele. Não sabia para que lado correr, em que buraco entrar. Foi correndo para a casa da irmã, sua fiel escudeira. Nela, podia confiar.
Chegou às pressas na casa da irmã pedindo para ela fechar as portas, o portão, as janelas. Disse o tempo todo que fez, porém, não queria. A irmã, sem entender o que estava acontecendo, acalmou o rapaz.
Desesperado, disse que atirou em alguém e esse alguém poderia está morto. Não queria fazer aquilo, mas foi obrigado. “Ou era eu, ou era ele”, disse aos prantos.
Deitou-se e foi dormir. De repente, sirenes, batidas na porta, palavrões, barulho de vidro quebrando e o medo falou mais alto. A polícia invadiu sua a casa, procurando por ele. Estava lá, como uma pedra, paralisado, chorando e tremendo.
Foi levado preso. Disseram aos policias que ele era agressivo, temido, mexia com drogas, roubava e que havia matado um aquela noite. Na delegacia ficou sabendo de um duplo assassinato e o acusaram por isso.
Negou a participação, mas não deram ouvidos a ele. De repente, viu-se em capas de jornais, revistas, televisão. Pessoas que só via pela TV estavam dele. Naquele momento havia tornado uma “celebridade”.
Foi comparado a um veneno sem antídoto, um réptil que nenhuma natureza o recuperaria. Apanhou. E como apanhou. Disseram se ele não assumisse a culpa que a família dele pagaria caro.
Sob tortura viu que não teria saída. Confessou os crimes. Falou a todos aquilo que queriam que ele dissesse. Mais uma vez foi capa de jornais.
Foi visto como uma pessoa fria, uma pessoa que só queria vingar a morte da mãe, carrancudo, magoado, frio, cheio de ódio e amargura. Foi acusado de ter matado aos trezes. E matou. Eu não contei? Pois é, matou.
Foi levado preso e por muitos dias permaneceu por lá. Mas algo estava errado. Apanhava todos os dias, mesmo depois de ter assumido a culpa. A comida quase nunca recebia. Dormia no chão sem o pedaço de espuma tinha direito.
Algum tempo se passou e descobriram que ele era inocente. Falhas técnicas levaram o promotor a pedir a libertação do jovem menino que já havia sofrido abusos, sido humilhado, maltratado, menosprezado. Diversas vezes foi chamado de “nego safado” ou “preto sem vergonha”.
Foi liberado tempos depois. A suspeita do promotor de que ele era inocente acabou se confirmando. Calou todos, entretanto, ninguém se manifestou, nem ao menos um pedido de desculpa.
Processou tudo e todos logo que foi sentenciada sua inocência. Não falava-se mais nele e nem do caso. Era como se todas as pessoas tivessem desaparecido do mapa.
Uma fatalidade colocou um ponto final nisso. Tomou jeito na vida e queria procurar emprego, ou seja, começar do zero. Encontrou amigos na rua e parou para conversar.
De repente, pá, pá. Um grupo de gangster passou atirando em todas as pessoas que ali estavam, inclusive, um dos tiros o acertou. Morreu.

Cedo ou tarde, mesmo não querendo, todos saberiam que isso iria acontecer. E aconteceu."